Os ‘rumores’ do vírus pandêmico numa cidade do interior

Santana do Cariri muda sua rotina e se integra ao restante do Mundo em meio a grande crise dos últimos tempos.




Cotidiano

Há exatos 15 dias estive pela última vez em Juazeiro do Norte, na minha colação de grau. Formei e a ficha mal começou a cair, muito menos deu tanto tempo de fazer a pergunta de todo recém-formado: “e agora?”. É que, nas últimas semanas, o mundo – o que faz tempo que não acontece – se voltou a um único foco: a pandemia do coronavírus.

Estou em Santana do Cariri, a mais ou menos 60km do ‘epicentro’ – para nos situarmos nos termos mais usados nas notícias recentes – da Região do Cariri. Vim para cuidar de algumas questões pessoais e, diga-se de passagem, para fechar alguns ciclos antes de começar a reconstruir minha trajetória de jornalista. Mas, algo me fez repensar sobre meus próximos passos.

A notícia já chegou em Santana

Nas ruas de Santana, como quase toda pequena cidade de interior, há pouco movimento. Os dias costumam ser tranquilos. As crianças vão à escola, os pais vão ao trabalho ou se ocupam em atividades domésticas. Hoje, nada mudou além da atenção. As crianças deixaram de ir à escola, e meu irmão de cinco anos, que ainda aprende a falar as palavras corretamente, diz: ‘tem que ter cuidado pra não pegar o ‘coravírus’, né?”

Diferente de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha – cidades que fazem o perímetro metropolitano da região –, as pessoas ainda transitam pelas ruas, vão às mercearias, tentam manter a rotina que seguiam com tranquilidade antes do surto de um vírus que começou no outro lado do globo. E seguem! Mas dividem, a cada atividade, a atenção dos seus afazeres com o noticiário 24h da TV e das mensagens (entre verdades e mentiras) dos famosos grupos de WhatsApp sobre o novo – e já velho – coronavírus.

De dia ou de noite, o trending topic das calçadas é o mesmo do Twitter e do mundo todo. O feed é atualizado a cada vez que chega uma notícia de que o vírus se aproxima de Santana. Na última quinta-feira (19), logo depois da confirmação do primeiro caso no Cariri, em Juazeiro do Norte, e do governador Camilo Santana anunciar novas medidas de enfrentamento ao vírus no Estado, o medo e as conversas aumentaram.

“Aqui não tem perigo de chegar não”

As calçadas são as salas de bate-papo mais frequentadas pelos santanenses. Assunto não falta, e o coronavírus é a pauta principal. “Aqui não tem perigo de chegar não”, diz uma moradora enquanto conversa com vizinhos. No desenrolar da conversa, alguns concordam e um deles completa: “Se chegar, a gente não tem estrutura”.

Quem mora em Santana desde nascença escuta que está no fim do mundo. Esse dizer é muito usado se referindo tanto aos limites geográficos do município, quanto às poucas perspectivas de emprego para os novos e velhos habitantes. São esses os principais motivos que a cidade é tão chamada de fim de mundo, por enquanto.

Algumas mercearias da cidade não abriram a partir desta sexta (20)

Em poucas vezes a cidade se sente inserida num contexto tão global como esse de pandemia, a não ser, claro, em épocas de Copa do Mundo ou de Eleições Gerais. A hipótese é a de que, os meios de comunicação, especialmente a televisão, integrem tão firmemente o pessoal ao restante do mundo.

O medo e a preocupação diante do avanço do coronavírus pelo Brasil, existem, isso porque há muitos familiares do povo daqui nas grandes capitais do País, inclusive em São Paulo, cidade epicentro de infecções confirmadas no Brasil. Esses familiares são aqueles que saíram de Santana em busca de emprego e melhores condições de vida.

“A polícia tá mandando fechar tudo”

As coisas “esquentaram” na noite da última quinta (19), quando o governador Camilo Santana determinou que todo o comércio – exceto farmácias, postos de gasolina e supermercados – fechasse. Numa das barraquinhas de lanches mais tradicionais da cidade, o aviso já tinha sido dado: “A polícia já passou aqui e mandou fechar”, disse, ainda no meio da noite, o dono do empreendimento.

Minutos depois, recebi uma ligação de uma irmã, com certo nervosismo, avisando: “Vem pra casa cedo. A polícia tá mandando fechar tudo”. De repente, pensei o quanto tudo isso é louco, e do quanto Santana está sim globalmente no mapa, embora seja, no momento, por motivos difíceis e tenebrosos.

Já ouvi de algumas pessoas o quanto está sendo cansativo e assustador ligar a TV e ver por quase toda a grade de programação tantas notícias sobre o coronavírus que, por enquanto, são predominantemente negativas. O número de casos confirmados aumentam a todo instante, o de mortes também, e o bom e velho entretenimento da Rede Globo – que ocupa o fim do dia das pessoas desta pequena cidade – não consegue tirar tanto o foco da doença.